Crédito: Mambembe Arts & Crafts / flickr.com |
Para estimular a leitura e discutir gêneros textuais, professor desenvolve projeto que resgata histórias orais de moradores de Paripiranga
por José Souza dos Santos*
Ler e escrever, hoje em dia, para a maioria dos alunos é
atividade pouco atraente. Portanto, é preciso inovar e trazer estratégias para
incentivar a prática. Mas como ativar esse prazer de ler, diante de tecnologias
altamente atrativas e das redes sociais, que encantam os adolescentes e ocupam
grande parte do tempo deles? Como trabalhar com alunos de 8º ano, em turma de
29 alunos, de uma escola do campo da cidade de Paripiranga (BA), com condições
precárias em sua estrutura física e carente de recursos tecnológicos? Esses
questionamentos me motivaram a desenvolver o projeto Cordelize a Vida e
Valorize sua Cultura.
As aulas começaram e era tempo de quaresma. Nas semanas
dedicadas à preparação para a Páscoa, aqui no sertão nordestino, muitas lendas
e causos são contadas. Seres fantásticos visitavam nossa sala através dos
relatos dos alunos. Luzernas, Alma Penada, Lampião e Lobisomem estavam
presentes. Aproveitei para entrar na conversa e comecei a contar alguns causos
que meu avô relatava. Em seguida, propus um passeio pelas histórias da
comunidade para descobrirem outros causos que ainda eram desconhecidos por
eles.
Atribuí aos alunos a tarefa de conhecer a própria cultura
com mais profundidade. Minha primeira estratégia foi discutir o modo para
abordar as pessoas. A entrevista foi o gênero escolhido para o início dos
trabalhos. Expliquei que seria necessário saber se posicionar diante do
entrevistado, considerar e anotar as palavras, na forma como fossem ditas. Por isso,
discuti com eles sobre a linguagem coloquial e a culta, tratei das marcas de
oralidade e do respeito que devemos ter pela maneira de cada um se manifestar
linguisticamente, além de explicar os fatores que influenciam as diferentes
formas de falar a nossa língua. Pedi também que eles elaborassem as perguntas
que iriam fazer às pessoas da comunidade.
Na segunda parte do projeto, fizemos dois textos, um causo,
em equipe, a partir da coleta de histórias da cultura lendária da região, e
depois um cordel, em atividade individual. Essas propostas levaram os alunos a
um passeio da oralidade à escrita. Foi aí que surgiu certa resistência, porque
alguns consideraram que seria trabalhoso e que não conseguiriam escrever. Não
desanimei, porque percebi que a adversidade era apenas reflexo da dificuldade
natural que tinham na prática da leitura e escrita.
Para levantar o ânimo da turma e fazê-los aderir com gosto
às atividades, anunciei que os produtos finais seriam divulgados. A ideia era
que os cordéis fossem transformados em livrinhos autorais e expostos na
biblioteca da cidade. Também planejamos uma tarde de autógrafos. A partir dessa
estratégia, a motivação para produzir aumentou.
Porém, sabia que a atividade seria um desafio para eles, já
que mexeria com dois gêneros diferentes. Com o causo, trabalhamos com o texto
em prosa para que os alunos aprendessem a dividir parágrafos e pontuar
coerentemente. Com o cordel, desenvolvemos versos, que são textos mais leves.
Ao final, os alunos aprenderam a ler com mais motivação, por conta das rimas e
por ser também um texto musicado. Esse gênero os ajudou a usar a entonação e,
posteriormente, os auxiliou na aprendizagem da pontuação.
Uma das grandes marcas do nosso projeto foi a emoção. Os
entrevistados contaram às crianças que costumavam sentar ao redor do avô para
ouvir essas histórias, mas que e lamentavam que essa cultura não exista mais,
pois a televisão roubou o espaço dos contadores. Expliquei para os alunos que
existem os leitores ouvintes e que seus avós talvez tivessem sido esse tipo de
leitor, por não saberem ler ou não terem tido a oportunidade de estudar.
Uma aluna deu uma linda e solidária sugestão, de que
poderíamos gravar os cordéis em um CD para presentear a uma aluna cega, que
estuda na escola. Contextualizando a ideia da estudante, outro colega de turma
nos contou que a ideia dela tinha tudo a ver com o surgimento do cordel, no
século 5, em Lisboa, quando Dom João V criou uma lei em que permitia os homens
cegos negociarem esse tipo de gênero na feira.
Confesso que fiquei emocionado com essa e outras atitudes
dos alunos. Eles já estavam inteiramente envolvidos no projeto e davam conta de
informações importantes para o desenvolvimento dos trabalhos em sala. Diante
dessas sugestões, acrescentei mais uma ação: o audiolivro. Além dos livretos de
cordéis, eles gravaram seus textos e o livrinho foi acompanhado por um CD, que
foi entre para uma aluna da nossa escola e para outros estudantes da cidade com
deficiência visual no dia da exposição final dos trabalhos e da sessão de
autógrafos.
* José Souza dos Santos
Professor efetivo de língua portuguesa. Licenciado em letras
vernáculas e pós-graduado em estudos linguísticos e literários. Tem experiência
profissional em ensino superior a distância. Foi um dos palestrantes no
Seminário Internacional do Escrevendo o Futuro, em 2015.
Fonte: Por Vir
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