Imagem de Gerd Altmann por Pixabay


Everton Nery


Se Deus é amor,

por que treme o peito quando penso nele?

Por que ajoelho tanto por medo

como por fé?


Disseram-me:

Ele te ama,

mas te observa.

Salva,

mas exige.

Perdoa,

desde que te arrependas certo,

com o comportamento certo,

na crença certa.


E então, amar virou tarefa.

A fé, um relógio de ponto.

O desejo, um erro a ser confessado.

Como amar alguém que me olha

até quando durmo?

Que pesa meu silêncio

e decifra meus sonhos

como se fossem delírio proibido?


Esse Deus que me ensinaram

não veio das estrelas,

foi moldado em púlpitos,

esculpido em doutrina,

pintado em rostos de juízes

com olhos de fogo e balança na mão.


É Ele que aparece

quando me culpo por sentir demais,

quando não consigo perdoar no tempo alheio,

quando não sou bom o bastante

nem para mim.


Não é Dele que temo.

É da ideia Dele.

Do fantasma que colocaram no altar

com voz de pai ausente,

de pastor severo,

de professor inflexível,

de moral que nunca dorme.


Pode-se sonhar com um Deus que enleva e cura.

Mas a igreja quis o que pune e organiza.

Que transforma desejo em culpa,

angústia em obediência.


Talvez o medo mais fundo

não seja do divino,

mas do espelho.

Talvez Deus,

more bem longe do sermão.

E mais perto da brisa,

do corpo que ama,

do desejo que pulsa,

da pergunta sem resposta.


Talvez, enfim,

amar seja isso:

desaprender o medo

que nos ensinaram a chamar de Deus.