Marcos Monteiro

Uma quarta feira cinzenta seguiu o carnaval multicolorido com o galo da madrugada e bonecos gigantes dançando frevo e maracatu. As lágrimas de São Pedro inundaram a cidade, afogando os últimos foliões, bêbados à procura de qualquer pedaço de chão para se deitar e sonhar com lembranças de todas as cores. O sol, cansado de sambar, se estirou em uma nuvem cor de rosa e dormiu o dia inteiro. Ser alegre é cada vez mais cansativo e ponho os pés no chão e os olhos no horizonte procurando um transporte. Mostro a identidade e o motorista, cansado de tentar dirigir a vida, abre a porta do ônibus e eu vou olhando as paradas até decidir descer. Almoço um prato barato e uma cerveja cara e quando a chuva diminui saio procurando um edifício de nome estrangeiro e descubro que minha amiga de conversas que rolavam pela madrugada não mora mais no nono andar.

O tempo passa rápido. mas os dias são lentos e as horas se arrastam.  Com a idade, aprendi a inventar mil truques para acelerar a dança desengonçada do tempo, mas o meu coração virou cinza e caminho sob a chuva para lavar o corpo e seguir com a cara e a alma lavadas. Procuro truques no meu bolso, mas a chuva os dissolveu ou esqueci todos na gaveta da cômoda, e me deixo arrastar pela correnteza da vida. Tenho vontade de acordar um folião, ressonando na calçada molhada, para me ensinar a dormir porque sei que no colchão macio de minha casa eu não consigo.
 
Minhas cinzas pediam silêncio e desde cedo fugi de qualquer conversa. Cada vez mais gosto de conversar menos. Gosto de ouvir porque é uma conversa em que não preciso emitir opinião, somente suspirar, gemer e responder com sim, não  ou talvez qualquer indagação. Entretanto, mesmo na cidade vazia, as pessoas tentavam conversar. perguntar e respondiam aos meus monossílabos com pontos de exclamação ou mais pontos de interrogação. Os temas que eu mais temia eram dinheiro, política ou religião, mas não adiantava puxar para futebol ou netos, dois temas neutros, porque sempre acabavam no trio maldito. O meu santinha é time de pobre, o meu neto mais novo é muito criança, ainda dá para aprender a votar na direita, mas o meu neto adolescente não tem mais idade para se matricular numa escola confessional e aprender a ser evangélico. A formação de um pastor começa no berço. Com essa conversa, o povo começava a se afastar e eu podia seguir no meu silêncio.

Percebi de repente que Deus estava mais silencioso do que nunca e pensei que até Ele estava decepcionado comigo. Depois, em respeito à nossa longa amizade, aventei a possibilidade de estar apenas com saudade do carnaval, onde Ele pode dançar longe das vistas dos pastores. Ensaiei um frevo desengonçado e Ele riu. Então começamos a sorrir de cada conversa. Quando longe de controle, Deus é engraçado e foi por graça dele que percebi alguns detalhes de todas as conversações atuais. Todas começam com a paz do Senhor, irmão e terminam com um amém, aleluia ou receba, o que a maioria das vezes não significa nada. Mas é bonito. Passei o caminho todo começando qualquer conversa com a paz do Senhor, irmão, e terminava sempre com um versículo do Seu livro e um receba tão alto que acordou o galo da madrugada.

O tempo passa mais rápido quando estamos felizes e cheguei em casa. Comi um sanduíche com água gelada, entrei no meu quarto e fui recebido pelo meu computador e minha cama com a maior alegria. Meu lençol e meu travesseiro me abraçaram carinhosamente e dormi rápido. Quando acordei o dia já estava claro. Deus, no tapete, continuava dormindo.

Recife, 22 de fevereiro de 2022.