Texto de Marcos Monteiro
“A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a apagaram”. João 1:4,5
A semana santa é um período que se repete anualmente para a celebração cristã da vitória absoluta da luz contra as trevas, com pelo menos duas mensagens.
Somos formados basicamente pelo caos e trevas primordiais, mas em pequenas porções iluminadas pela luz criadora, nesse frágil e sensível invólucro que chamamos de pele. O Criador, que iluminou esse plasma caótico e tenebroso na formação do Universo, repartiu conosco a sua luz, nos convocando à permanente criação de mundos, sociedades e pessoas luminosas.
Nessa semana, os rituais históricos repetem a memória de que a luz que vivia na pele de Jesus de Nazareth venceu o último combate, e depois de humilhações, torturas e de uma morte cruel e indigna, ressuscitou e luminosamente se ergueu sobre todo tipo de caos e trevas. Essa vitória se torna maior quando lembramos de que Jesus caminhava entre as humilhações, dores, fomes, doenças, mortes, impingidas cotidianamente sobre as periferias da Palestina e do Império Romano, pela estrutura política e religiosa de então. A ressurreição é o grito da luz contra a insolência das trevas. Uma mensagem de esperança, acesa pelo peregrino da periferia da Palestina e de todas as periferias.
Mas, a segunda mensagem é de que a ressurreição não destruiu toda treva e caos e que vivemos momentos em que a escuridão parece mais espessa do que qualquer luz. Então, o convite é viver a luz de cada dia, apesar de tudo e de todos, em nossa frágil pele, pirilampos insistentes.
Nas inúmeras celebrações, das que participei, são inesquecíveis alguns “Ofícios das Trevas”, momentos em que, de luzes apagadas, éramos convidadas liturgicamente a rememorar nossas maiores dores. As trevas se tornavam tão espessas quanto as que senti, ainda adolescente, perdido nas fímbrias da floresta amazônica, sem entender se era noite ou dia, convivência com os terrores das sombras. Aprender a se iluminar e iluminar lugares e pessoas, em meio a trevas indescritíveis, parece ser inevitável hoje, para todas, especialmente para aqueles que convivem com o caos da violência cotidiana, sempre à espreita.
No decorrer do Ofício, entretanto, velas iam se acendendo pouco a pouco. O simbolismo da vela, pequena luz que se desgasta para brilhar, nos fala que quando as trevas são grandes, pequenas luzes podem acudir, e que várias luzes pequeninas podem se juntar nessa luta desigual. Lembrei que, da vez em que me perdi na floresta, de repente, a luz irrompeu numa clareira, rompendo a proteção da copa das árvores, e foi essa luz que me salvou.
Depois da intensidade dos rituais dessa semana, portanto, somos convidadas a desenvolver duas atitudes fundamentais.
A primeira, a de crer que o Ressuscitado de Nazareth é nossa garantia de que o caos e as trevas já foram vencidas de modo absoluto, o que nos faz olhar para o futuro, com os olhos de quem enxerga horizontes invisíveis.Com Jesus, já ressuscitamos.
A segunda é a de que, como ressuscitados, somos convidados a ser ressuscitadores, a iluminar trevas e caos dentro e fora de nós. Não podemos negar que somos pele, invólucro frágil e sensível, esgarçado pela vida, cheio de cicatrizes, sempre prestes a romper. Mas somos, acima de tudo, luz que, mesmo quando pequeninas, ainda têm brilho suficiente para conduzir esperanças.
Então, depois dessa Páscoa, façamos a páscoa de cada dia, e na graça do Pai Criador, do Artesão de Nazareth, crucificado e ressuscitado, sob o sopro da Ruah Divina, espalhemos a luz da ressurreição, dentro e fora de nós mesmas.
Recife, 17 de abril de 2022
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