Nas franjas desse tempo de reclusão somos convocados, a todo instante, para envidarmos compassos de reinvenção, de recriação e de reimaginação das acontecências do suceder cotidiano. Entre as proezas que tenho incrementado, uma delas é me embrenhar nos vazios da janela aberta do apartamento para fruir a radiância do sol, para sentir as intensidades de seus raios penetrantes em minhas células, em meus fluxos biofísicoquímicos e energéticos.
Tem sido uma experiência inefável ser possuído pelo fulgor da estrela solar e sentir suas faíscas atravessar o corpoalma (mesmo que apenas na parte posterior do corpo). Essas faíscas solares renovam, vivificam e energizam a inteireza de meu ser.
Mas essa proeza de respiros na janela se descortina noutras fruições preciosas. Faço revoadas d’alma compelidas pelas danças sinuosas dos voos das andorinhas que adornam o panorama; medito com a verdejância das copas frondosas das árvores que habitam a área verde do prédio, com a fluidez movente das palhas dos coqueiros; sou afagado com os sopros singelos dos fiapos dos ventos.
Também sou acalantado pela terneza das toadas dos passarinhos; expando meus olhares com as espirais dos horizontes que se desdobram através das paisagens do casario dos vales, dos espigões que arranham os céus, das ondas dos arvoredos, das brumas das nuvens que flutuam na imensidão e dos desvãos da infinitude dos céus azuis.
Assim, entre outras façanhas diárias, vou rendando a teia das aventuras de meus dias em estado agridoce de quarentena.
Miguel Almir
(abril 2020)