A benção, pai,
é hora de deitar nos sonhos
pra acordar no futuro.
O inconsciente
espuma retentora dos desejos.
Travesseiro
também de espuma feito.
Espumas
fazem bolhas de sabão
voam
sem destino ao vento
num esperançar quase vão.
A benção, pai.
Frase primeira dum acordar bocejado
já é amanhã de ontem
devir do passado
– eis o dia todo a caminhar.
A benção, pai.
O relógio que consertas
é tecelão a fiar os fios do tempo.
Mas gosto de olhar as horas
pelo trajeto do sol.
A benção, pai,
tua vida teu comércio
de tudo um pouco fez labuta –
mamadeiras refeições
remédios pneus
lavar roupa fazer frete
consertar carro:
correu correu
corroeu
a sobrevivência
o ponteiro do teu relógio
os dias se passaram no teu suor.
A benção, pai,
que (a roda é gigante)
o cais é gigante
ainda mais este mar a navegar.
Distante
parece o horizonte tocando
a proa do meu navio iniciante.
A benção, pai.
Minha escura lanterna
vela
por ser acesa.
Ainda precisa
dos teus vaga-lumes.
A benção, pai.
Que o meu coração
por ora deserto
nem serpente rastejar.
Mas teu ouvido, intento
olhar de acolhimento
esperança sementeira
fez-me tantas plantas
vezes reverdejar.
A benção, pai,
que sou já grande e luto
contra a adulteração
de minha criança remanescente.
Cuido
de não maturar a ponto
de putrefação alcançar.
A benção, pai.
Tua simplicidade
venho-a garimpando.
Nessa busca vi prestezas no inútil
"pouco é muito se é essência"
a lição silente dos teus lábios.
A benção, pai.
Teu orgulho de ser
pai
brinca
trinca nos olhos.
Engravida tanto
que é ora seminal desejo meu.
A benção, pai.
Que a vida termina
com epitáfio
será duro o teu
lapidar.
Nada que um dia germina
(é mesmo)
fica eternamente fruto:
sou
teu filho
galho teu
ferindo o ar
quando a copa alcançando.
A benção, pai.
Pai, a benção.
(Poema de Weslley Almeida. Memórias Fósseis, p. 35-38)
0 Comentários
Comente aqui