Acabei de assistir ao filme Tim Maia, no cinema. Fui vê-lo sem grandes expectativas, confesso! Primeiramente, porque já li o livro que, supostamente, teria servido de base para a produção do filme: o ótimo Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta. Escrevo “supostamente”, porque o cantor Fábio – um dos amigos mais próximos de Tim ao longo da sua carreira artística – sugere que o próprio Nelson Motta teria “pego emprestadas” algumas histórias que ele contou em seu livro Até Parece Que Foi Sonho - Meus 30 anos de Amizade e Trabalho com Tim Maia, lançado em 2007 – (ver aqui) . Aliás, Fábio foi o personagem escolhido pelo diretor Mauro Lima como narrador da história do “síndico” mais famoso do Brasil. Talvez tenha sido uma forma de o diretor “compensar” Fábio por não ter mencionado o livro dele como base para a produção da cinebiografia: sabe-se lá!

Em segundo lugar, eu entendo que as linguagens do cinema e da literatura são diferenciadas. Um filme baseado em um livro jamais deve ter a pretensão de ser plenamente fiel a sua produção literária correspondente. A literatura impressa, exatamente por não fazer uso de recursos audiovisuais (como no cinema), naturalmente busca fazer essa compensação por meio de uma narrativa mais rica em enredo e detalhes. Partindo dessa premissa, fica evidente a missão de uma cinebiografia baseada em um livro: elaborar uma produção com o máximo de fidelidade possível à obra que a inspirou, com uma linguagem obviamente mais coesa – o que deve ser compensado com o uso de recursos não inerentes a literatura impressa, como mencionado anteriormente. E nesse requisito, o filme Tim Maia falhou – e muito!


Ao longo da exibição do longa-metragem, fica evidente a preocupação em explorar a imagem de um Tim Maia mais “interessante” ao público: um “doidão”, inconsequente, irresponsável (o filme já começa com ele saindo no meio de um show lotado, deixando o público na mão), egoísta e até agressivo (leia-se a fatídica cena em que ele esbofeteia Janaína, personagem fictícia criada a partir da condensação de duas das mulheres da vida dele). Tudo bem que a direção optou por explorar a versão mais famosa da vida pessoal do artista (de fato, quem conviveu com ele atesta que o sujeito não era uma pessoa nada fácil de se conviver), mas caberia também mostrar outras facetas menos divulgadas do cara para o grande público: o lado filantropo (ele bancava orfanatos para crianças abandonadas e ajudava financeiramente amigos em “apuros”) e boa praça do cara (a julgar pelas inúmeras parcerias e amizades que o cara deixou). O próprio Nelson Motta chegou a afirmou, em certa feita (ver aqui) , que a característica mais marcante do Tim era exatamente o excesso: de fúria, de doçura, de egocentrismo, de hospitalidade, de exigência técnica (e, consequentemente, de “chatice”), de talento, de voz. Em suma, era um cara extremamente bipolar. Fica minha impressão pessoal de que a produção não conseguiu explorar essa bipolaridade do personagem, o que poderia tornar o filme mais atrativo e interessante, até mesmo para a imagem do Tim – especialmente para o público que ainda possui pouco contato com a obra dele e, mesmo assim, foi assistir o filme.

Por fim, o ponto crítico maior da produção: é imperdoável que personagens reais imprescindíveis na carreira do “Rei do Soul Brasileiro” tenham ficado de fora do enredo do filme, como Genival Cassiano – coautor de inúmeros dos primeiros sucessos da carreira de Tim, especialmente da fase setentista do cara; e o baiano Hyldon – um dos precursores da Soul Music no Brasil, e um dos amigos mais próximos de Tim, principalmente na fase inicial de sua carreira. A produção até se esforça: logo no começo, enfoca a fase precursora dele no mundo da música; a formação do The Sputniks, juntamente com Erasmo Carlos e Roberto Carlos (então, desconhecidos); a ida dele para os Estados Unidos, as “doidêras” por lá, e posterior retorno para o Brasil; a frustração em vislumbrar seu antigo parceiro Roberto Carlos no auge do sucesso, enquanto ele estava na mais absoluta “pindaíba”. Depois vem o sucesso e a sucessão de problemas: drogas, confusões e mandatos judiciais, além do envolvimento com a seita Cultura Racional.

Até a morte dele, Tim passou por momentos de ascensão e queda. Essa questão, à “grosso modo” foi passado no filme. Mas o problema está exatamente nos detalhes da biografia de Tim. Para quem conhece a história do Tim Maia de maneira um pouco mais apurada, fica a impressão de que o filme é carregado de emoção – apesar das enfadonhas e longas 2 horas e 21 minutos de exibição – e pobre em informação (segue, abaixo, o trailer oficial de lançamento do filme). Minha dica pessoal é: leia o supracitado livro do Nelsinho Motta, compare com o filme e tire suas próprias conclusões!             



 Henrique Magalhães


Biólogo, professor, pesquisador e colecionador de discos de vinil