O ano que acaba de se findar foi bastante produtivo em termos de produções fonográficas: tanto quantitativa quanto, principalmente, qualitativamente. Enquanto muitos artistas da “velha guarda” reforçaram suas discografias com ótimos lançamentos, uma turma da nova geração mostrou verdadeira referência a suas principais influências com albuns bem acima da média do que se vê e se ouve por aí.
Para iniciar, um passeio por sete lançamentos nacionais de 2013! Sete foi uma quantidade escolhida aleatoreamente, por mera simpatia quase que “cabalística” do colunista que vos escreve por esse número (nasci em um dia sete, as sete horas da manhã, enfim!). Certo de que muitos bons lançamentos não foram abaixo citados por uma questão meramente espacial, desde já aguardo agradecido críticas e sugestões.



1. Guilherme Arantes – Condição Humana

O veterano músico voltou ao estúdio após 6 anos sem gravar um album de inéditas, e retorna em grande estilo com um ótimo trabalho. Em seu novo álbum, o ótimo Condição Humana, o 22º de sua carreira e o primeiro a ser lançado independentemente pela sua própria gravadora, a Coaxo de Sapo, o artista renova musicalmente seu repertório, à medida que revisita a sonoridade que o consagrou no final da década dos anos 70. A sonoridade do Moto Perpétuo, banda de rock progressivo no qual Guilherme iniciou sua carreira como vocalista e tecladista no início dos anos 70, é revisitada em faixas como Condição humana e Moldura do quadro roubado. A musicalidade pop romântica que o consagrou na carreira solo, por sua vez, também não é esquecida, em faixas como Oceano de amor e Você em mim. Na modéstia opinião deste que vos redige, este álbum é o “lançamento do ano”.



2. Carla Visi – Pura Claridade

Ao deixar os vocais da banda Cheiro de Amor, em 1999, Carla Visi  conseguiu de uma vez por todas provar que é muito mais do que uma cantora de axé. E como isso fez bem a ela (artisticamente falando)! Trata-se de uma artista versátil, de voz doce e ao mesmo tempo forte e que possui influências artistícas das mais ecléticas. No excelente Pura Claridade, Carla oferta seu talento e inegável carisma a um tributo a diva “mineira mais baiana” no Brasil: Clara Nunes. Nenhum grande clássico ficou de fora: Morena de Angola, Ê Baiana, O Mar Serenou, enfim. Ao todo, são 17 faixas que contemplam toda a discografia da carreira da “guerreira”. E o mais interessante: os arranjos originais praticamente intactos contrastam com a interpretação personalíssima de Carla Visi, o que demonstra uma real reverência a obra de Clara Nunes e não somente um a mais dentre tantos tributos.



3. Ná Ozzetti – Embalar

Ná Ozzetti não é somente uma das melhores vozes da música brasileira contemporânea: a cantora e compositora, dona de uma voz cristalina, é também uma artista comprometida com a coerência e a qualidade de seu trabalho. Dessa maneira, a paulistana lançou um dos melhores discos do ano, onde a musicalidade e a interpretação se harmonizam a todo instante. Destaques para a canção-título Embalar, que abre o álbum instigando o ouvinte a pegar o kit completo: "Sim, vou levar, pode empacotar / Esse som e o de lá”; Olhos de Camões, no qual musica uma "poema-montagem" de Alice Ruiz sobre versos de Camões; e a irônica Lizete, que conta com a participação de Kiko.



4. Passo Torto – Passo Elétrico

Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral, músicos absurdamente talentosos, constituem o Passo Torto. Os três primeiros assinam as letras; Marcelo, que produziu o disco do Criolo com o Ganjaman, divide a assinatura das músicas. As doze faixas do álbum abordam a cidade de São Paulo e seu ritmo vertiginoso e caótico. A quantidade e a qualidade com que a musicalidade é trabalhada nesse álbum não cabe ser digerida em apenas uma audição. Harmonias trabalhadas e retrabalhadas (méritos de Kiko Dinucci, um craque), onde as guitarras, em um primeiro momento saltam aos ouvidos num falso privilégio ao experimental, quando distorcidas, complementadas pelo baixo competentíssimo de Marcelo Cabral. A ausência de percussão e compensada pelas cordas do cavaquinho e do violão, eximiamente executadas. Impossível destacar uma ou outra canção. Trata-se de um álbum homogêneo, embora tão multifacetado em termos sonoros. Frente a um estágio de acomodação criativa da música popular brasileira, trata-se de um trabalho.  


5. Satanique Samba Trio – Bad Trip Simulator #3

Apesar do nome, o grupo não é satanista, não toca samba, nem é um trio. O termo “satanique” vem exatamente da ideia de oposição, de contestação aos dogmas tradicionais da música popular brasileira, segundo os próprios integrantes. O termo satan, no original hebraíco significa “opositor”, “o advesário” (nas religiões monoteístas, o termo está associado a encarnação do mal, o demônio). Trata-se de um sexteto brasiliense de música experimental fundado em 2002, totalmente instrumental. A amalgama sonora dos caras mescla estilos diversos como baião, bossa nova, samba, jazz, fusion e rock. Neste quinto álbum de estúdio, eles mantêm a mesma receita dos trabalhos anteriores, porém com uma sonoridade cada vez mais “endiabrada”, “nervosa”. Um som tão alucinógeno quanto um chá de ayahuasca com cogumelo. Vai por mim!




6. Bixiga 70 – Bixiga 70

Uma das mais talentosas bandas da nova geração da música instrumental brasileira, o Bixiga 70 chegou com um novo álbum groove digno daqueles que adoram um som híbrido e calcado principalmente no afrobeat e no groove. Assim como o primeiro trabalho, lançado em 2011, o disco é homônimo, porém o conteúdo sonoro é bem mais rico, onde o groove é trabalhado de forma mais intensa. São nove faixas instrumentais com muito peso e energia, repletas de referências a música brasileira e africana de raíz, muita batucada e percussão, metais estridentes, baixos frenéticos, candomblé, carimbó, samba, dub, música eletrônica, enfim. Trata-se de um som envolvente, dançante, alucinógeno!



7. Vespas Mandarinas – Animal Nacional

Primeiramente, vale ressaltar que o bom e velho rock nacional continua mais vivo do que nunca, embora muito mal divulgado. Um bom exemplo disso é essa excelente banda paulista, cuja sonoridade é definida pelos próprios integrantes como simplesmente “rock nacional”. Percebe-se, porém, elementos indie e hardcore, aliados ao hard rock. As letras são ora cruas e diretas, como em Cobra de vidro, Não sei o que fazer comigo e O inimigo; ora líricas e poéticas, como em Distraídos venceremos e O herói devolvido. Enfim, trata-se de um trabalho coeso e muito bem executado. Um rock n’ roll de primeiríssima linha onde peso, melodia e poesia se encaixam perfeitamente. Uma prova viva de que o rock brasileiro continua mais vivo do que nunca e que merece mais atenção por parte da mídia e das rádios.








Henrique Magalhães
Biólogo, professor, pesquisador e colecionador de discos de vinil.