Poucas iniciativas têm se mostrado tão manjadas e tão constrangedoras no meio musical brasileiro como esses tais “shows-tributos”. Se uma “singela” homenagem muitas vezes soa como algo constrangedor para quem a ouve e a presencia, imaginem um “show” inteiro? A questão é que esse tipo de jogada de marketing tem se mostrado cada vez mais comuns e rendem muita grana à custa de gente que alimenta um saudosismo barato e quase que totalmente acrítico (sim Régis, você tem razão, todo fã é realmente um idiota!).


Talvez alguns otimistas de plantão que tenham começado a ler essas mal traçadas linhas me questionem: “Mas, baseado em que ele faz tais afirmações, tão ‘catastróficas’?”. Ou: “Mas, homenagear nossos ícones da arte musical não seria uma maneira de mantê-los alicerçados em nossa memória, ou de apresenta-los as novas gerações?”. Bem, em relação ao último questionamento, se fosse até aí, nada de mais. Concordo que homenagens são bem vindas, desde que executadas de forma sincera e bem planejada técnica, logística e estruturalmente. Quanto à primeira pergunta, resta-me lamentar: infelizmente, relatos acerca de uma realidade, nem sempre “coloridos”, são considerados como “pessimistas” ou “catastróficos”. Mas, enfim, respondendo a pergunta, meu embasamento se dá a partir de três “shows-tributos” recentes ocorridos aqui, nesse país que infelizmente tem provado cada vez mais que não tem uma memória musical sólida (mas aí já é tema para uma próxima coluna): os dois últimos “tributos” (sim, a palavras “tributo” aparece aqui entre aspas propositalmente) a Renato Russo (e sua Legião Urbana, por osmose) e o “tributo” a Cazuza, ocorrido recentemente no Rock in Rio 2013, dia 13 de setembro.


Referentemente as (des)homenagens ao Renato Russo, comecemos pela primeira delas, ocorrida no dia 30 de maio de 2012, promovida e transmitida ao vivo pela MTV (que, convenhamos, tem caído muito no conceito de muita gente nos últimos anos, e o fim todos já conhecem). Priorizando o formato trio, que a lendária Legião Urbana passou a adotar a após a saída do ex-baixista Renato Rocha (o Negrete), e com Wagner Moura (que como cantor é um exímio ator) “tapando o buraco” deixado por Renato Russo. Saldo final: produção muito mal feita (parecia coisa de evento amador mesmo); Wagner desafinando horrores, mascarando uma pretensa emoção em estar ali “homenageando” seu ídolo; Marcelo Bonfá completamente fora de forma na bateria; Dado Villa-Lobos errando até mesmo os acordes mais manjados das canções da banda; e um punhado de participações sem conexão alguma com a história do grupo (se é que a ideia era mesmo fazer um tributo, né?). Vale ressaltar que esse evento foi criticadíssimo por muita gente do meio artístico, e até mesmo por familiares do falecido cantor. E quanto ao tal Renato Russo Sinfônico, ocorrido em Brasília no dia 29 de junho de 2013? Outro festival de horrores, com destaque para a “participação especial” de um holograma patético de Renato Russo cantando o hit Há Tempos. Coitado do Renato: merecia um descanso mais tranquilo, né?



Outro exemplo dantesco de como uma pretensa homenagem pode se transformar em uma picaretagem das grandes foi o tal “Tributo” a Cazuza, ocorrida no Rock in Rio, no último dia 13 de setembro de 2013. Parecia mais aquele tipo de evento (des)organizado em cima da hora, sem qualquer critério técnico apurado, com artistas esboçando uma falsa emoção ao interpretarem clássicos eternos do rock brazuca. O que falar, por exemplo, do titã Paulo Miklos lendo descaradamente a letra da música enquanto a “cantava”?


Participações “nada a ver”, como a chatíssima Maria Gadú, terminaram por transformar a tal (des)homenagem em um show de horrores alheios.


Subtraindo as participações do sempre bom e performático Ney Matogrosso e do Barão Vermelho, reformulado especialmente para o evento, nada mais se salvou. O bom e velho “Cajú” deve ter se contorcido horrores em seu túmulo!

Iniciativas honestas e totalmente coerentes a memória do(a) homenageado(a) devem ser bem-vindas sempre, ao contrário de picaretagens outrora descritas. Infelizmente, vivemos em um país sem memória musical, que subvaloriza nossos artistas de verdade e exaltam gente sem talento algum, mas que são abraçados por uma indústria musical oportunista e mercantilista, contribuindo assim para um “emburrecimento” em massa em um país cuja a educação está bem longe de ser prioridade. Esses tais “tributos” nada mais são que um dos reflexos dessa triste realidade: arrecadar à custa de um saudosismo acrítico de um povo sem memória. Nossos ícones mereciam coisa melhor, não acham?

Não tenho a menor dúvida disso!


Henrique Magalhães
Professor, escritor e colecionador de discos de vinil