Meu coração era um mosaico de ardências.
As palavras latiam, viravam latas,
Lambiam, com apetite, requintes de sonhos.
Eu dilatava toda num parto insone,
Sem provas, sem sequelas, sem dinamites.
Havia sol no meu verso e eu dançava,
Aflita de vida, mimada de afetos desejados.
Eu tinha um cajado nas mãos e levantava-o aos céus,
Rogando pragas ao Criador
Por ter-me lançado ao mundo, em movimento.
Havia muita dor em meu delírio,
E o campo perdia o verde quando a minha brasa passava.
Seguia o meu farol perdido lá no fim,
Seguia o meu faro, o meu calo,
Seguia uma menina bonita de tantos nadas.
O amor iluminou a parede do meu quarto,
Brincou de pisca-pisca - e nem era natal!
Alguma coisa acontecia no dia-a-dia da casa.
Uma fumaça esguia manchou paredes
E eu chorei calada.
Assoviei uns versos sumidos, miúdos,
No aparente sequestro dos meus dias.
E, ainda que tarde, disse:
-Vem! Vem atordoado, imberbe, beijar-me até o amanhecer,
Cair cansado em fadiga de neblina escassa,
Vem e provoca-me versos,
Embriaga-me de farras em teus braços de nunca mais,
E depois chega mais, arrisca mais.
Ardo! Ardo como asfalto nos verões do Rio.
Ardo porque sou mulher.
E sorrio fresca, como que ardendo, como que queimando.
Ardo porque enfarto a toda hora,
Sem u-tê-ís, sem confessionário.
Ardo porque, de ordinário, sou flama.
(Tratado das Veias/2006/Letras da Bahia)
(Via facebook)
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